Não sonha com uma "super carreira internacional", mas a música que faz não cabe num só país. O mundo de Luiz Caracol é feito de "metades" que falam português mas abarcam muitas geografias. Autor: Inês Rocha | Fotos: Alfredo Matos Começou a fazer música "meio por acaso". Não foi um sonho de criança, mas uma descoberta da adolescência, no meio de amigos. Sentiu um "chamamento" quando cantou pela primeira vez, mas foi a guitarra que o agarrou. Cerca de 17 anos depois de ter decidido escolher a música como seu projecto de vida, Luiz Caracol acaba de lançar o seu segundo álbum, "Metade e Meia". Um trabalho que reflecte todas as influências em que sustenta a sua música. "De algum modo foi o momento de criar um disco de homenagem a todas as misturas e metades que foram surgindo na minha vida e que acabaram por definir aquilo que eu sou como músico", explica, em entrevista à Academia de Guitarra. Luiz Caracol nasceu em Portugal, mas podia ter nascido em Angola, não tivessem os seus pais regressado ao país de origem no processo pós-independência das colónias. Mas a identidade africana ficou marcada no ADN do músico. "A vantagem das colónias era que havia ditadura mas não havia ditador. As pessoas viviam de um modo mais livre, com a mente mais aberta. Eu fui criado num ambiente assim, de mente aberta a nível cultural". Em casa a cultura portuguesa entrava a par da africana e da brasileira. Luiz sempre se sentiu filho da lusofonia, mais do que de um país fechado em fronteiras políticas. UMA MENTE LIVRE TAMBÉM NA MÚSICASó aos 20 anos é que Luiz Caracol decidiu levar a música a sério. Até aí, foi descobrindo a guitarra como auto-didata. Em 2000, entrou para a Academia de Música de Lisboa, onde ficou algum tempo, até descobrir que não era aquele o seu caminho. "O reportório clássico não me atraía de todo. Eu tenho uma mente que gosta do improviso, do inesperado. O jazz permite mais essa liberdade que a música clássica não permite", conta. Decidiu então experimentar o Hot Club. "No meu imaginário, a música era ir além da partitura. Era esquecer os papéis. Obviamente temos que conhecer a teoria e aquilo que estamos a tocar, mas a partir de determinado momento podemos ser mais criativos". Hoje, Luiz é o homem dos sete (ou oito, ou nove) instrumentos. Toca o que lhe vier à mão: em "Metade e Meia" toca cavaquinhos, percussões, baixo, bandolim, kalimba, guitalele, glockenspiel, synth pad... mas a guitarra continua a ser a principal. "Os temas nascem à guitarra, é a maneira que eu tenho de compor. Sempre que gravo um tema, a primeira coisa que gravo é a guitarra e depois crio à volta disso". TENHO UMA NATUREZA CALMA MAS TAMBÉM INQUIETALuiz Caracol garante que a sua identidade não mudou desde "Devagar" (2013), mas sente que foi mais longe com este disco. "Passaram uns anos, há mais viagens, mais histórias, mais experiência", diz à Academia de Guitarra. "Arrisquei mais, mas ao mesmo tempo também é um disco mais maduro. É natural, eu tenho uma natureza calma mas também tenho uma natureza inquieta e gosto de trabalhar para melhorar", afirma. Nesta experiência cabem vários nomes, com quem Luiz trabalhou durante os anos em que não gravou em nome próprio. Nesta experiência cabe Sara Tavares, cabem Jorge Palma, Zeca Baleiro e Aline Frazão, entre vários outros artistas. O músico diz que se vê como uma "antena" que capta o que acontece à sua volta e que todas essas parcerias contribuiram para o que hoje é como artista. "Aprendi com todas elas, fico muito feliz por ter conseguido trabalhar com toda esta gente, que além de talentosa é muito capaz". Isso reflecte-se também em "Metade e Meia", onde Luiz fez questão de incluir alguns destes amigos, tanto a nível autoral como na interpretação dos temas. O cantor rodeou-se de nomes como Aline Frazão, Zeca Baleiro, Fred Martins, Edu Mundo, Biru (A.F. Diaphra), e até do escritor José Luís Peixoto. "O facto de estar bem rodeado é bom sinal. Efectivamente eles têm muita qualidade e ajudam a potenciar e a melhorar o meu trabalho. Fico muito contente que eles estejam no álbum também", diz o músico. DICAS PARA SER MÚSICO? "NÃO ESTUDEM SÓ MÚSICA"O músico português garante que seguir esta carreira "requer vários investimentos". O essencial é o estudo e a dedicação. "Tocar um instrumento é uma coisa exigente, do ponto de vista da entrega, do tempo que têm que gastar para conseguirem ser bons executantes", explica Luiz Caracol. Mas nem tudo gira à volta da música. Luiz considera que procurar enriquecer a cultura e estudar outras coisas fora da música é essencial para "abrir fronteiras". É também importante ouvir outros tipos de música que acabam por "moldar a nossa maneira de tocar", afirma. "O último conselho talvez seja ter a cabeça no sítio, não achar que é uma coisa fácil, que é um caminho adquirido, que basta tocar um bocadinho para as coisas serem fáceis ao nível da música, porque não são". Luiz não tem dúvidas: os ingredientes para ter um lugar na música são "trabalho, empenho, dedicação e persistência". Sobre o seu futuro como músico, diz que tem os pés no chão e não tem "grandes sonhos disto ou daquilo". Confessa que lhe dá um particular prazer sentir que a sua música é também aceite fora de Portugal. "Quando faço música não penso num público em particular. Faço música de dentro para fora e quem a quiser ouvir, seja português, chinês ou do Pólo Norte, para mim está tudo certo", afirma. Ainda assim, não trabalha para ter uma "super carreira internacional". "Obviamente que a internacionalização é uma coisa que te faz levar a tua música além fronteiras e isso é muito enriquecedor, mas não almejo esse tipo de coisa", explica.
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